Conheça a história do casal de holandeses Tini
Schoenmaker e Joop Stoltenborg, que estão entre os produtores orgânicos mais
antigos que se mantêm em atividade e cuja preocupação social e ecológica mudou
a vida de muitas pessoas.
Outras Palavras
Eles ganhavam um bom dinheiro com o cultivo de
flores em Holambra. “Até demais”, ironizam... Com o tempo, contudo, observaram
que, enquanto concentravam terras e recursos, os moradores da região
empobreciam e eram obrigados a deixar a terra. Usando agricultura convencional,
com agrotóxicos e adubação química, viram trabalhadores intoxicados terem de
ser levados às pressas ao hospital.
Essas foram as maiores razões para o casal de
holandeses Tini Schoenmaker e Joop Stoltenborg, hoje com cerca de 70 anos,
criarem o Sítio
A Boa Terra.
Lá, além de cultivar orgânicos, manter uma grande área de preservação e
oferecer aulas de “alfabetização ecológica” a alunos da rede pública local,
implantaram uma minirreforma agrária e organizaram um movimento de sem-teto
para construir 100 casas em mutirão.
Criado ainda nos anos 1980 e pioneiro numa
atividade que apenas engatinhava, um dos produtores orgânicos mais antigos que
se mantêm em atividade, o Sítio está localizado a meio caminho das cidades de
Casa Branca e Itobi, no estado de São Paulo, próximo à divisa com Minas Gerais.
Hoje, entrega seus produtos para mais de 500 famílias em 18 cidades, entre elas
São Paulo, Guarulhos, Osasco, Sorocaba, Campinas, Americana, Ribeirão Preto e
Poços de Caldas. E, para aproximar as pessoas que se alimentam de seus produtos
dos trabalhadores que os cultivam, organiza quatro vezes ao ano o Café das
Estações, celebrando cada mudança originada pelo movimento da Terra em torno do
Sol.
História
A história do Sítio A Boa Terra começa em
Holambra, onde, nos anos 1950 e 60, chegaram as famílias holandesas de Tini e
Joop. Mas sua origem remonta ao pós-Segunda Guerra Mundial, quando muitos
holandeses eram estimulados a emigrar, sobretudo para países como Canadá, Nova
Zelândia e Austrália.
Tini chegou ao Brasil aos 11 anos de idade, em
1959. “Naquele tempo se pensava que os filhos tinham que seguir o ofício dos
pais… Éramos agricultores e a Holanda, densamente povoada, não tinha mais como
crescer”, explica ela. “Nossa mãe não queria. Mas depois de ouvir uma palestra
sobre Holambra, uma colônia no Brasil de pessoas do seu país, ela considerou
mais fácil.”
Joop e Tini vêm de regiões diferentes da Holanda.
Ambos, no entanto, se criaram em famílias de agricultores. Conheceram-se em
Holambra e, quando o namoro engatou, os pais de Tini convidaram Joop a
participar do negócio. “Tivemos muito sucesso, ganhamos muito dinheiro. Até
demais”, ironiza Joop. A plantação de flores demandava sempre novas áreas de
cultivo, o que significava uma forte pressão para a expansão das propriedades.
Não há expansão de um lado sem recuo do outro, então havia um intenso processo
de concentração de terras. “Víamos muita gente ser expulsa do campo.”
O desejo de viver num mundo melhor
Com sensibilidade única, percebiam que sua
acelerada prosperidade tinha consequências sociais visíveis na região, que
implicava concentração de terras e de renda.
Essa percepção tinha ressonâncias
de outra discussão que surgia naquele momento, relacionando as questões
econômica e ecológica. Um marco deste debate foi a reunião ocorrida na Itália
que produziu a Carta de Roma, na qual se afirmava que os recursos naturais do
planeta são finitos, das riquezas minerais à água, e que não se podia crescer
indefinidamente.
“Lemos 'Small is Beautiful: Economics As If People
Mattered' [traduzido no Brasil como O negócio é ser pequeno, do economista
alemão Ernst Friedrich Schumacher, clique aqui para ler], sucesso internacional na época, e para nós ele
foi revelador”, relembra Joop.
“Aliás, retomei esse livro no mês passado e acho
que continua fazendo todo sentido!” Foi aí que, juntamente com uma irmã de Tini
e uma irmã de Joop, com seus respectivos maridos, amadureceu a ideia de formar
uma comunidade para trabalhar coletivamente e ampliar os benefícios do uso da
terra, que é um bem de todos.
.
O principal motivador do Sítio A Boa Terra, no
primeiro momento, foi social – a questão ecológica foi ganhando força ao longo
da história. Com terras doadas pela Terra Viva, empresa da família de Tini da
qual Joop tornara-se sócio, em janeiro de 1981 nascia oficialmente o projeto.
“Fizemos a experiência de uma pequena reforma agrária com 60 famílias de trabalhadores,
os chamados "boias-frias" na época, gente que passa de uma colheita à
outra. Conseguimos um financiamento para drenar 60 hectares de várzea. Cada
família cultivava um hectare, sobretudo com arroz e feijão, além de horta”,
explica Tini.
“O cultivo e a colheita eram separados, mas 10% do rendimento era
colocado em um fundo gerido coletivamente, com o qual conseguiram comprar um
tratorzinho, algumas máquinas”, conta Joop.
Júlio, que trabalha hoje na área administrativa do
Sítio A Boa Terra, era ainda muito novo quando se formou a ATRAI (Associação
dos Trabalhadores Rurais de Itobi).
Mas recorda-se bem de como seu pai e irmão
mais velho se envolveram no projeto.
“O mais importante, na época, era a
tranquilidade de produzir o arroz e o feijão da família. De novembro a
fevereiro não tem trabalho, então pelo menos o básico estava garantido”.
Contudo, com a queda no preço do arroz e do feijão
o projeto foi se esvaziando. Restaram as casas, onde as famílias vivem até
hoje.
A mata preservada
No Sítio, a área de preservação é hoje bem mais
ampla que a área utilizada para a produção agrícola. Esta compreende 10
hectares naquele local e mais 10 hectares num local próximo, em área de serra,
que por ser mais frio é mais utilizado durante o verão.
Já a área preservada
compreende dezenas de hectares de mata, além dos 60 hectares de várzea, que
depois de encerrado o projeto de cultivo comunitário de arroz e feijão passaram
a ser destinados à preservação permanente.
Hoje, o Sítio recebe ao longo do ano
dezenas de turmas de alunos de escolas estaduais de Itobi, para propor dias
inteiros de “alfabetização ecológica. O projeto foi concebido por Nicolete, uma
das filhas do casal.
A Boa Terra
Enquanto aconteciam os projetos sociais, as
mulheres começaram a plantar uma horta, utilizando técnicas de biodinâmica que
a irmã de Tini havia aprendido em cursos na Holanda.
Ao final de 1981, cerca de
meio hectare estava plantado. Foi a partir deste núcleo que cresceu o Sítio A
Boa Terra.
Além de sua ampla produção de verduras, legumes e
frutas, para atender melhor seus clientes o Sítio hoje comercializa também
itens de produtores parceiros.
Todos podem ser selecionados pelo site ou por
email. Apenas no segundo semestre de 2014, comercializou um total de 145.439 kg
de legumes e frutas (64.050 kg dos quais de produção própria) e 65.009 maços de
verduras (sendo 52.251 cultivados e colhidos no local).
A produção própria inclui cenoura, milho,
beterraba, rabanete, cebola, abóbora brasileira, abóbora italiana, pepino
caipira, alho porro, milho verde, alfaces (americana, crespa, lisa, mimosa e
roxa), escarola, couve manteiga, rúcula, almeirão, cheiro verde, manjericão,
orégano e hortelã. “Temos uma pequena área com laranjas, mangas, abacate e
vamos plantar este ano mais 4 mil mudas de laranjas”, informou Júlio.
Ao todo, são 40 funcionários: seis no setor de
Educação Ambiental, nove na produção e 25 na área comercial. As cestas
entregues aos clientes são assim distribuídas: 9% na região do Sítio (Itobi,
São José do Rio Pardo, Casa Branca, Vargem Grande do Sul e Mococa); 16% na de
Ribeirão Preto; e 75% nas regiões de São Paulo e Campinas.
Agrotóxicos x saúde
Joop compara a forma de agricultura dita
“convencional” – com uso de agrotóxicos e adubação química – e a orgânica.
“Mudei para a orgânica depois de muitos anos praticando a agricultura
convencional. Eu era um especialista em herbicidas, inseticidas, fungicidas…”
Uma das razões foi os danos que causavam aos trabalhadores das suas lavouras.
“Mesmo seguindo todas as normas de segurança, muitas vezes tivemos que levar
trabalhadores correndo para o hospital por causa de intoxicação ou queimaduras”.
Um episódio da biografia de Joop é tão
estarrecedor quanto didático para se entender o momento em que os venenos foram
incorporados às práticas agrícolas. Nascido em 1939, na Holanda, ele era
criança quando a Segunda Guerra Mundial acabou.
“No final da guerra, todo mundo
tinha piolho, sarna etc.
Então pegavam umas bombas e iam borrifando a gente com
um pó branco. Todo mundo ficava inteirinho branco, dos pés ao cabelo.
Depois eu
soube que aquilo era DDT.” Na época, toda agricultura era orgânica.
Mas daí
começaram a pesquisar novos usos para as sobras da guerra química. Foi então,
no momento de massificação das tecnologias, quando se difundiu o “American way
of life” pela Europa e por grande parte do planeta. Que se tornou padrão o uso
de produtos químicos na agricultura, produtos estes que tornavam mais rápidos e
cômodos – e principalmente mais lucrativos – os processos produtivos nas
lavouras.
Joop lembrou que, no início, esses produtos
químicos eram chamados de “veneno”, depois passaram a ser “agrotóxico” e hoje
muitos os chamam de “defensivos agrícolas”.
Segundo Júlio, não há política que favoreça o
produtor orgânico na obtenção de financiamento, assistência ou apoio dos
governos federal, estadual e dos municipais com os quais o Sítio se relaciona.
Ao contrário, os orgânicos, além de seus custos maiores por preservar o meio
ambiente e garantir um alimento sem veneno para o consumidor, têm também que
arcar com todos os custos de certificação.
“Na agricultura convencional, é permitida a
presença de certos níveis de agrotóxicos nos alimentos e a Anvisa analisa os
produtos e afere isso. Por que estes produtores não são obrigados a dizer, no
rótulo, qual o nível médio de agrotóxicos no alimento? Por que apenas o
orgânico necessita de certificação?”, questiona.
* Esta publicação contém trechos do artigo de Maurício Ayer, no site Outras Palavras.
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